BREXIT

24-06-2016 09:48

Nesta sexta-feira o Reino Unido acordou a caminho de sair da União Europeia. É uma autêntica revolução e contraria todas as expectativas, todas as apostas e a maioria das sondagens, que acreditavam até ontem que o "Bremain" (designação atribuída aos eleitores favoráveis à manutenção da União Europeia) sairia vencedor do referendo. 

O "Brexit" (Britan Exit UE) obteve 52% e o Bremain (Britan Remain in UE) ficou nos 48%. 

O Brexit venceu e Nigel Farage, político apologista da saída do Reino Unido da UE, gritou "Independence Day!".

Ao longo da noite a vitória do Brexit dominou a contagem das 382 circunscrições eleitorais. Mas a esperança que as áreas massivamente favoráveis ao "Bremain", como a Grande Londres, invertesse o resultado, dominou a noite.

De facto, Londres votou 75% a favor da manutenção do Reino Unido na União Europeia; Oxford votou a favor do Bremain com 70% e Glasgow (Escócia) com 66,6% a favor deste grupo. Já Edimburgo votou a favor da manutenção da UE com 74,44%.

NewCastle teve um quase empate (50,7% a favor do "Bremain" e 49,3% a favor do Brexit). E o Nordeste inglês votou maioritariamente a favor do Brexit.

Mas não foi suficiente, e o referendo de Cameron acabou por ditar o Brexit. O feitiço virou-se contra o feiticeiro. Cameron, ainda apelou durante os últimos meses, ao Bremain, mas de nada serviu. Uma jogada perigosa de David Cameron e que o deixa na História, mas que empurra para fora do Governo em breve.

A vitória do Brexit é um choque para uma União Europeia que tudo fez para não prever a saída de nenhum estado-membro. Conseguiu evitar o Grexit, mas não escapou ao Brexit.

Depois do resultado do referendo, o processo segue os seus trâmites legais. O parlamento britânico necessita de uma "maioria de votos, a fim de evocar o artigo 50 do Tratado da UE e notificar formalmente os seus parceiros sobre a intenção" de abandonar o aglomerado de 28 estados-membros.

O que vai mudar?

O primeiro impacto será sentido na libra (no fim da votação já desvalorizava mais de 10% face ao dólar). Perante este cenário, a recomendação aos investidores com activos denominados em libras passa por fazer uma cobertura de risco da moeda.

O BCE está a planear intervir publicamente, em conjunto com o Banco de Inglaterra, no sentido de tentar acalmar a previsível turbulência nos mercados. É esperada uma declaração pública assegurando que o BCE fará tudo o que for necessário para manter uma adequada liquidez no mercado. O objectivo é permitir que os bancos europeus tenham acesso ilimitado a financiamento em libras e euros, estabelecendo o Bank of England linhas de câmbio com o BCE e o Fed, de forma a fornecer aos bancos europeus as libras e os euros que necessitarem.

Com a saída da União Europeia os bancos dizem não poder garantir a sua actuação no mercado num cenário de volatilidade extrema. Por isso mesmo o Banco de Inglaterra está em alerta máximo, e o mercado acredita que seja o regulador a actuar como ‘market maker’ de último recurso, caso os bancos comerciais não reúnam condições para o fazer.

Hoje há uma reunião do BCE com o Banco de Inglaterra para assegurar liquidez aos bancos em caso de corrida aos câmbios.

Há assim um impacto imediato na City financeira. A Société Générale e ING já avisaram os clientes da possibilidade de problemas de execução de ordens devido a baixos níveis de liquidez. Além disso, também a negociação pode ficar mais cara, com os bancos a aumentarem os ‘spreads’ para reflectir maiores níveis de risco. De qualquer maneira foi pedida uma medida aos bancos, directamente pela entidade supervisora britânica, a Financial Conduct Authority (FCA) e pelo Banco Central Europeu (BCE): Um plano estratégico em caso de Brexit. 

Em Portugal directamente na city está o ex-BESI, o Haitong Bank. Em Espanha os bancos expostos ao mercado britânico são os maiores bancos comerciais. Tal como avançado no fim de semana, os bancos BBVA, Santander e Sabadell têm de apresentar planos anti-Brexit ao BCE.

As empresas que são domiciliadas em países da zona do euro e cujas receitas são originadas no Reino Unido poderão sofrer com um crescimento mais lento do PIB consequência do Brexit e ter um efeito negativo no lucro resultante da conversão da libra para euros. A economia do Reino Unido veio para este sufrágio numa situação frágil, com o seu défice da conta corrente perto de 5% do PIB.

George Osborne, secretário de Estado do Tesouro britânico, alertou para o facto de a saída da União Europeia acarretar a perda de milhares de empregos na City.

Como o Reino Unido é um 'hub' na prestação de serviços financeiros em toda a Europa, abriga quase 70 por cento de entidades estrangeiras, estas ficam ameaçadas com a perda do direito de desenvolver a sua actividade na UE. 

 A grande questão que se põe é qual será a futura praça financeira da União Europeia? Os especialistas apostam em Frankfurt, onde está sediado o BCE.

Políticamente é o principio do fim da UE?

Desde logo, o maior impacto dentro do Reino Unido é na Escócia, grande beneficiária dos fundos europeus. Aliás em toda a Escócia a vitória do Bremain foi expressiva.

O Brexit acordará na Irlanda os ímpetos independentistas, dizem alguns analistas. Mas não só. Em toda a Europa haverá a tentação de referendar a permanência na União Europeia. Se bem que nem todos os estados-membros são a quinta economia do mundo.

O resultado do referendo britânico é passível de influenciar as eleições em Espanha já no dia 26, domingo.

Um dos fantasmas que a União Europeia enfrenta é o evoluir de uma onda referendária sobre a permanência de vários países na Europa a 28.

Segundo a imprensa italiana, o movimento 5 Estrelas – que acaba de conseguir uma inesperada vitória nas municipais do país, ao conseguir ser o partido mais votado em duas cidades, Roma e Turim – pode ser o próximo a pretender introduzir no país um referendo sobre a permanência na UE. Já há termo: ‘Italex’, e é a expressão da desintegração cada vez mais óbvia de uma certa ideia de União Europeia. E não é apenas nas regiões tradicionalmente independentistas: Catalunha e Escócia.

Os países fortes da União Europeia, como a França, foram avisando que “se a Grã-Bretanha sair da União Europeia não haverá ajudas europeias para os agricultores britânicos. Acaba-se o acesso ao mercado único”.

O presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker avisou: “Fora é fora”. Não haverá excepções para a relação comercial da União Europeia com o Reino Unido. 

“O abandono da União Europeia pelo Reino Unido significaria incerteza para as nossas empresas, menos comércio com a Europa e menos empregos”, argumentam os empresários britânicos.

Mas os avisos não colheram no povo inglês.

Com a vitória do Brexit os Estados Unidos perdem o seu maior aliado no bloco económico mais importante do mundo.

Em Portugal também haverá um impacto. Numa economia fragil como a portuguesa, qualquer brisa tem o peso de um tornado, e o Brexit não será excepção.

Em 2015 o Reino Unido representava 7% do ‘stock’ de Investimento Directo Estrangeiro em Portugal. O facto de o euro poder valorizar com a saída do Reino Unido também prejudica as exportações, que têm vindo a cair. 

Durão Barroso, ex-Presidente da Comisssão Europeia, disse publicamente que a saída da União Europeia era o maior desafio do Reino Unido "que é um país muito importante, é a quinta maior economia do mundo, é membro permanente do conselho de segurança da ONU".

Questionado sobre se o referendo tinha sido uma jogada muito perigosa de David Cameron? Respondeu: "Obviamente que foi e por uma razão puramente interna, nomeadamente com o seu próprio Partido Conservador, que estava e continua muitíssimo dividido na questão europeia. Para resolver essa questão, David Cameron, prometeu, para ganhar tempo, um referendo. Bom, vamos ver agora. Desejo muito que ele tenha sucesso". Para o ex-presidente da Comissão Europeia esta foi "uma jogada de altíssimo risco, porque há muita gente que pensa que se o Reino Unido sair da Europa, a Escócia sai do Reino Unido e nesse caso temos, não apenas a divisão da Europa, mas também a divisão do Reino Unido".

Vladimir Putin também criticou o primeiro-ministro inglês. "Para quê (Cameron) desencadeou este processo de votação? Fê-lo para quê? Para chantagear outra vez a Europa? Para assustar alguém? Que objectivo tinha se era contra (o Brexit)?", questionou num encontro com a imprensa, realizado em São Petersburgo.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"