Segundo o jornal britânico The Guardian, o percurso do Roman Abramovich está incomummente bem documentado em público — pelo menos para os padrões dos oligarcas russos. Tal deve-se a um caso que o empresário teve no Tribunal Superior de Justiça de Londres contra o seu ex-mentor, Boris Berezovsky, em 2011, que o levou a detalhar a sua vida ao milímetro.

Nascido em 1966 em Saratov, Abramovich cedo ficou órfão, perdendo os pais quando tinha três anos e indo morar com familiares na República de Cómi, na zona norte da Rússia, tendo uma infância que o próprio considerou digna, apesar de pobre. Depois de uma passagem pelo exército, o futuro empresário trabalhou como vendedor de rua e mecânico antes de estudar engenharia na Universidade Estatal de Gubkin, em Moscovo.

Apesar da sua formação, foi ao espírito empreendedor que decidiu dar vazão e, aproveitando o ar dos tempos — a reta final da União Soviética, durante o período da Perestroika, que permitiu alguma liberalização económica e, com ela, a formação de pequenos negócios —, montou uma empresa de brinquedos de crianças no seu apartamento de Moscovo.

Após a queda da URSS, Abramovich continuou a fazer caminho na selva desregulada e recém-capitalista dos negócios russos, entrando no ramo da troca e transporte de petróleo e outros produtos como açúcar, madeira e material industrial. Com a sua riqueza a crescer, tal como a fama, quando conheceu o seu mentor/futuro rival Berezovsky, em 1994, já era considerado um “empresário moderadamente bem sucedido”, como apontam os registos do tribunal.

Foi da união entre os dois que nasceu a Sibneft, megaprodutora e refinadora de petróleo russa que fez de Abramovich um bilionário. A sua formação conta a história da Rússia deste período conturbado dos anos 90. Berezovsky terá proposto a ideia formulada pelo seu novo parceiro ao Presidente russo, Boris Ieltsin, com quem tinha boas relações: juntar uma produtora de petróleo crude a uma refinaria, com esta nova corporação ficando a cargo dos dois empresários. Em troca, o lucro produzido serviria para fundar uma estação de televisão de propaganda pró-Ieltsin — este foi apenas um dos negócios da famosa “fase das privatizações” da Rússia.

O acordo foi oficializado em agosto de 1995 por decreto de Ieltsin, tinha Abramovich apenas 29 anos. A natureza da venda dos bens estatais ao futuro oligarca veio a revelar-se altamente dúbia, sendo comercializados em leilões muito abaixo do seu valor real e com outros interessados a serem desencorajados de participar. Ao todo, Abramovich e Berezovsky compraram a Sibneft por aproximadamente 240 milhões de dólares, quando os analistas hoje consideram que a empresa devia valer milhares de milhões de dólares, conforme uma investigação recente da BBC comprova.

Mais tarde, Abramovich admitiria em tribunal que conseguiu o negócio através de meios corruptos, nomeadamente ao passar 10 milhões de dólares a Berezovsky para este subornar um funcionário do Kremlin. No caso que o colocou contra o ex-companheiro, o seu advogado admitiu que o seu cliente “sabia da corrupção, mas que a realidade é que esta era a forma como se fazia negócio na Rússia naqueles tempos”.

Foi assim que foi engrossando o seu portefólio de ativos. A mesma investigação da BBC aponta para a compra de uma outra empresa petrolífera, a Slavneft, em 2002, em condições muito vantajosas, principalmente porque Abramovich estava a competir contra um consórcio chinês que oferecia o dobro do dinheiro. Essa participação, contudo, foi retirada quando um dos representantes chineses foi raptado em Moscovo — apesar do sequestro nunca ter sido ligado a Abramovich, ele foi o principal beneficiário deste ato.

Roman Abramovich
Abramovich a falar com um agente da polícia na Duma, em Moscovo, a 17 de julho de 2000 créditos: AFP FILES/ALEXANDER NEMENOV

A entrada de rompante na Europa

Se os anos de Ieltsin foram lucrativos para Abramovich, os de Vladimir Putin — eleito Presidente da Federação Russa em 2000, após um mandato de dois anos enquanto primeiro-ministro — foram-no ainda mais. Ao contrário de Berezovsky e outros oligarcas — com quem chocaria mais tarde — o empresário conseguiu manter-se nas boas graças do poder político.

Depois de fazer milhões com a venda de participações em empresas de alumínio — segundo dados revelados no caso judicial de 2011, fez quase dois mil milhões de dólares em 2003 ao vender 25% da sua participação na RusAl a outro oligarca — Roman Abramovich tornou-se uma cara conhecida do público europeu quando decidiu investir parte da sua fortuna no Chelsea FC nesse mesmo ano, tornando-se o principal acionista do clube de futebol de Londres, no Reino Unido.

Nesta altura, Abramovich já estava profundamente embrenhado na política russa, tanto que foi eleito governador da região de Chukotka — no extremo-oriente do país — em 2000 e assim se manteve até 2008, cargo pelo qual foi premiado com a medalha da Ordem de Honra por Putin.

Em 2005, tornar-se-ia um dos homens mais ricos da Rússia ao vender as suas ações na Sibneft de volta ao estado russo — sendo integrada na conhecida empresa pública Gazprom — por 7,4 mil milhões de dólares. Com uma fortuna incalculável, foi assim que foi alimentando o seu estilo de vida luxuoso, com a compra de megaiates e grandes propriedades, assim como canalizou dinheiro para fazer do Chelsea um dos maiores clubes do mundo.

A sua posição tornou-se de tal forma dominante que em 2009 o The Wall Street Journal disse que o mundo estava perante “The Roman Empire” [“O Império Romano”, numa alusão ao nome do empresário]. Além disso, como dinheiro gera dinheiro, Abramovich comprou ainda uma participação maioritária na Evraz, uma das maiores produtoras de aço do mundo.

No entanto, o passado de Abramovich voltaria para assombrá-lo, com Berezovski a colocá–lo em tribunal, exigindo uma compensação de 3.750 milhões de euros por um alegado abuso de confiança, chantagem e rutura de contrato. Abramovich acabou por vencer a milionária batalha legal em agosto de 2012, mas não sem ter a sua vida escrutinada.

O seu ex-mentor — que vivia exilado em Londres desde 2003 — caiu em desgraça com a chegada ao poder de Vladimir Putin em 2000 e acabou por perder o controlo de parte do império mediático e energético que tinha construído nos primeiros anos da Rússia pós-soviética.

Nessa ocasião, iniciou-se o conflito entre os dois colaboradores, quando o império de Berezovski começava a desintegrar-se e o oligarca foi forçado a renunciar à sua participação na Sibneft por uma fração do seu valor. Berezovski referiu em tribunal que vendeu as suas ações devido às intimidações de Abramovich, um argumento que não convenceu a juíza Elizabeth Gloster.

A mesma juíza, de resto, também indicou em tribunal que não havia provas de que a relação e o poder económico de Abramovich fossem capazes de influenciar a governação de Putin para prosseguir e beneficiar os seus objetivos comerciais e financeiros. No entanto, as ligações ao atual presidente russo viriam a tornar-se desastrosas para o empresário.

Abramovich
Vladimir Putin em conversa com Roman Abramovich no Kremlin, a 27 de maio de 2005. O primeiro já era Presidente da Rússia, o segundo desempenhava as suas funções enquanto governador da região de Chukotka. créditos: EPA/VLADIMIR RODIONOV ITAR-TASS POOL

Russo, israelita e, agora, português

A facilidade de acesso ao poder político que já granjeava desde os tempos de Ieltsin começou a tornar-se incómoda na viragem para a última década, com as relações entre o Ocidente a Rússia a deteriorar-se com a anexação da Crimeia à Ucrânia em 2014, o apoio das regiões separatistas pró-russas e o alegado envolvimento nas eleições presidenciais de 2016 nos EUA, entre outros temas.

É no seio deste crispar de relações, de resto, que Abramovich acabaria por tornar-se um cidadão português em abril de 2021 ao abrigo da Lei da Nacionalidade, como descendente de judeus sefarditas expulsos de Portugal no século XV.

Em 2018, Abramovich retirou o pedido de renovação do visto de investidor no Reino Unido devido ao conflito diplomático entre o país e a Rússia, na sequência do envenenamento do antigo espião Sergei Skripal em Inglaterra, já que o empresário detém passaporte russo. Na altura, a então primeira-ministra Theresa May ordenou uma reavaliação dos vistos atribuídos a centenas de “oligarcas russos” no país, porém Abramovich nunca foi sujeito a sanções internacionais. 

Ao passaporte russo, o oligarca juntou o israelita, tendo-se naturalizado no âmbito da Lei de Regresso, beneficiando da isenção de visto de entrada nos países europeus, não só da União Europeia (UE), como também do Reino Unido. Ainda assim, e tendo direito à cidadania lituana por via do pai e avós, deportados durante a II Guerra Mundial, Abramovich pediu a cidadania portuguesa em 2021 devido ao “espírito acolhedor” da legislação.

 

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