O que deverá o consumidor saber face ao emergente protagonismo do comércio eletrónico?

03-12-2020 11:10

O processo inerente à compra e venda de bens em linha por um consumidor convoca a aplicação de vários regimes que intervêm em momentos distintos: a Lei da Defesa do Consumidor, transversal a todas as relações de consumo (Lei n.º 24/96, de 31 de julho), o Regime aplicável aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial (Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro) e o Regime da Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela relativas (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril).

O consumidor: Com exceção da Lei da Defesa do Consumidor (LDC) e do Regime da Venda de Bens de Consumo1, que não exclui expressamente as pessoas coletivas, para efeitos da aplicação do DL 24/2014, o consumidor é uma pessoa particular que atua com fins que não se integrem no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional. Quando o bem adquirido se destina a um fim misto, o uso não profissional tem de ser o uso predominante dado ao bem, mesmo que este não seja o seu uso normal.2 Importa ter em atenção que, mesmo que o particular adquira um bem para fins pessoais, mas apresenta-se perante a contraparte como profissional, nomeadamente, pela indicação de um número de identificação fiscal de uma pessoa coletiva, afasta a sua inclusão na definição de consumidor.

As informações a prestar ao consumidor: O regime dos contratos celebrados à distância prevê, no seu art. 4.º, um exaustivo elenco de informações pré-contratuais a serem fornecidas ao consumidor e que, uma vez prestadas, integrarão o contrato celebrado. De modo semelhante, a publicidade divulgada pelo fornecedor ou produtor referente ao bem, integra o conteúdo do negócio e, por isso, importa para aferir as expectáveis características do bem para efeitos de conformidade (v. art. 7.º n.º 5 da LDC). Das informações a disponibilizar, importa ter presente que, o fornecedor deverá informar o consumidor do preço total do bem, incluindo taxas e impostos, bem como os custos associados com o transporte e entrega do mesmo. Uma vez que, as informações pré-contratuais integram, obrigatoriamente, o contrato de compra e venda celebrado, o preço anunciado não poderá ser, posteriormente, alterado, por força da proibição de alteração unilateral do conteúdo das informações prestadas do n.º 3 do art. 4.º do DL 24/2014. A par disso, o esclarecimento primordial a ser dado pelo comerciante é a existência do direito de livre resolução do contrato pelo consumidor, do prazo e procedimento para o efeito (v. art. 4.º al. l) do DL 24/2014).

O exercício do direito de arrependimento: É reconhecido ao consumidor o direito de arrependimento nos contratos celebrados à distância, de modo a compensar a falta da presença das duas partes e a impossibilidade de manusear o bem. Posto isto, o consumidor tem o direito de resolver o contrato no prazo de 14 dias a contar do momento da receção do bem ou por um terceiro indicado por si, cuja contagem é contínua (v. art. 10.º n.º 1 al. b) DL 24/2014). Nesta, há que ter em conta as regras gerais do Código Civil, pelo que, o prazo começa a contar no dia a seguir ao da entrega do bem e o último dia do prazo deverá ser transferido para o dia útil seguinte, quando não o for. Se o consumidor adquirir vários bens em conjunto na mesma encomenda ou um bem que integre vários lotes, importará a entrega do último bem ou do último lote, para efeitos da contagem do prazo. Diferentemente, na prestação de um serviço, a contagem do prazo dá-se logo com a celebração do contrato. Se o prazo começa a correr só depois da entrega do bem, nada obsta a que o consumidor possa exercer o seu direito de arrependimento ainda antes da mesma ocorrer. O exercício do referido direito pode dar-se através do formulário de livre resolução entregue pelo profissional, mas também mediante qualquer declaração que demonstre, de forma inequívoca, a vontade de resolução do contrato, nomeadamente, “por carta, por contacto telefónico, pela devolução do bem ou por outro meio suscetível de prova”, como estabelece o art. 11.º do DL 24/2014. Após receber a informação da resolução do contrato, o fornecedor é obrigado a devolver qualquer pagamento feito pelo consumidor no prazo de 14 dias, incluindo os custos de entrega. Incumprido o prazo, o reembolso terá de ser feito em dobro, no prazo adicional de 15 dias úteis, sem prejuízo de outra indemnização que possa assistir ao consumidor (v. art. 12.º n.º 6 do DL 24/2014). Por sua vez, o consumidor deverá suportar o custo da devolução, exceto se não tiver sido, antes da celebração do contrato, informado de que possuía tal dever.


1 Nestes dois diplomas, o consumidor começa por ser definido como “todo aquele”.

2 V. Considerando 17 da Diretiva 2011/83/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011 relativa aos direitos dos consumidores.