Uma barbearia onde só podem entrar homens em plena Lisboa.

16-10-2014 16:52

A Figaro's, na rua do Alecrim, com o seu aspeto de barbearia dos anos 50, desperta a curiosidade de qualquer um. Mas nem todos podem entrar: a Figaro's não permite a entrada de mulheres.

Quem passa na rua do Alecrim em Lisboa já terá visto a barbearia. Das portas altas e decoração vintage, aos barbeiros no interior vestidos de bata branca, passando pelas cabeças de animais montadas na parede, a barbearia chama a atenção. Aberta há mais ou menos meio ano, desde então que, à porta, um sinal anuncia que é permitida a entrada a homens e a cães, mas não a mulheres.

Fábio Marques, barbeiro e fundador da Figaro's, explica a situação com naturalidade. A Figaro's presta serviços exclusivamente a homens: cortam cabelo e fazem a barba com toalha quente, à moda antiga. "Derivado do tipo de serviços que prestamos," disse Fábio Marques ao DN, "os homens, entendemos nós, gostam de estar à vontade e de ter uma privacidade masculina enquanto recebem esses serviços."

"Se entrar uma mulher, o ambiente imediatamente muda," continua o barbeiro. Para Fábio Marques, a presença de mulheres deixa os homens menos confortáveis para falar "de certos temas," e cria um ambiente de competição. Também distrai os barbeiros, para quem é mais descontraído trabalhar só com homens.

Segundo o advogado António Pragal Colaço, a Figaro's não tem enquadramento legal para justificar a proibição da entrada de mulheres. "Obviamente se o serviço não é para senhoras, não são obrigados a fazê-lo," esclareceu o advogado ao DN. "Agora, dos princípios de funcionamento de um estabelecimento comercial faz parte o princípio da igualdade."

Acrescenta que um espaço comercial não é um espaço privado, como uma residência, e que também não se trata de uma espécie de serviço que mereça o direito à reserva da intimidade da vida privada, como seria o caso, por exemplo, num serviço que fizesse ecografias. Nem o direito de admissão pode ser usado como justificação, porque "isso já não existe."

"Não há direito nenhum das mulheres que seja lesado"

Para Fábio Marques, o contrário é que não faria sentido. "Não podemos tratar como iguais os dois sexos que não são iguais," afirma. O conceito daFigaro's é único na cidade, onde não existem, segundo o barbeiro, mais espaços exclusivamente masculinos.

"Somos uma espécie de clube privado que presta serviços de corte e de barba para homens, o que tem que ser entendido pelas pessoas porque não é ilegal," explica o barbeiro, para quem a política da Figaro's não se trata de discriminação porque "não há direito nenhum das mulheres que seja lesado." E faz uma comparação: "É como se fosse, no fundo, um balneário."

Manuela Tavares, da direcção da União de Mulheres Alternativa e Resposta, tem uma perspetiva diferente. "O balneário é um sítio mais intimista, onde as pessoas se vestem e despem," diz. "Mas as pessoas não têm piscinas separadas."

A membro da UMAR, que é também investigadora de estudos sobre as mulheres no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, acha a medida "lamentável e preocupante." Destacou ao DN que a ideia de que as mulheres sejam um elemento perturbador da conversa não é de todo nova, e que existem ainda clubes masculinos em Inglaterra, por exemplo, onde a presença feminina é interdita.

Esta questão tem a ver com os estereótipos que foram criados em torno do que é ser mulher e do que é ser homem. Estereótipos muito separados," continua Manuela Tavares. "Digamos que é um atentado àquilo que se pretende, que é uma sociedade mais partilhada em todos os aspetos. Mas é um facto que nos tempos atuais há tendência para que a austeridade que vivemos também traga atrás de si um neo-conservadorismo que começa a despontar em muitos aspetos, e que as pessoas veem com naturalidade."

Para mostrar a especificidade do estabelecimento relativamente à sua clientela, Fábio Marques sublinha ainda que a Figaro's está a "promover e divulgar causas que são afetas a homens," sendo que vão apoiar a iniciativa Movember no mês que vem, um projeto internacional para angariar fundos para a investigação no âmbito do cancro da próstata.

Mas nem todos os homens estão de acordo com a medida, como é o caso de Nuno Miranda, que descreve no seu blogue, "Dirigível", uma experiência que teve na barbearia, quando tentou entrar para cortar o cabelo com a sua mulher e filha bebé, quando um barbeiro veio ter com ele. "Diz que as mulheres não podem entrar. Fiquei estarrecido, disse-lhe que já tinha ouvido dizer, mas pensei que era uma piada (de graça dúbia, mas uma piada). Não era." E sublinha, para deixar tudo bem claro: "Convidaram a Vera a sair não porque não lhe pudessem/quisessem cortar o cabelo, mas porque não podia estar lá dentro."

Entretanto, as mulheres que estejam curiosas para ver a Figaro's podem entrar, quando não houver clientes. "Deixamos entrar mulheres ao fim do dia quando estamos a fazer limpezas," diz Fábio, consciente de que o aspeto vintage e diferente da barbearia atrai turistas e curiosos.